sexta-feira, 24 de abril de 2015

Luto



    Na sala, todos reunidos. Silêncio é rei. Ainda há a densidade do gosto do falecimento no ar que respiramos.
    - Coitado de Lúcio, foi-se tão jovem!
    Sim, meu incomparável amigo Lúcio partiu ainda muito jovem, foi trágico. O dia entoava cantigas de cor e de alegria, Lúcio caminhava plácido, embalado pelos sons dos sorrisos e ternuras. Infelicidade da natureza, surgiu-lhe a carência de atravessar a rua - eu o chamei - e, Deus o tenha, um caminhão de mudanças atingiu-no. Não morreu na hora, ainda lutou por algumas semanas, porém padeceu inevitavelmente. 
    Lúcio era bom homem, embora jovem era bom homem. E era tão forte de corpo quanto de espírito, novo e saudável. Inevitabilidade inefabilíssima, o destino o levou! Ó, sofri! Afinal, fui eu aquele que invocou-no ao outro lado da avenida, transição essa que provocou sua triste morte. Pudera ao menos Lúcio ir por causas naturais, tuberculose que fosse, não recairia-me a culpa! Ó, metanoia, heresia pungente!
    - Acalma-te, Lázaro, que a vida ajeitar-se-á. Lúcio se foi em sua hora, mas a sua hora ainda não chegou, homem!
    Sim, bem o sei, e não quero debulhar-me em sofrimento, mesmo sendo o luto inevitável (tanto quanto a morte em si). Há de melhorar, a vida minha, e aquela após a morte, para Lúcio, também. A vida é bela, seja antes ou depois do mistério.
    Agradeci as condolências, cumprimentei a todos. Abracei Lúcio, beijei sua testa e, ao sair, vi-o sorrindo para mim. Deixei a sala com lágrimas, sorrisos e saudades. Vida longa a nós, e eterna a Lúcio.
sábado, 18 de abril de 2015

Volúpia do Aborrecimento


Temo a vida, temo a vinda incerta
Vinda que grita, diz-me sobre Berta,
Que sorri, alma-sóror e alma amável.
Sinto que a amálgama não é mais palpável.

Tomo um gole d'água
Regado à minh'alma.
Um brinde ao Realismo...

E um choro frio e demente
Dá a lágrima ao Romantismo.

Insípidas, cores tendem ao pálido
O que era vívido é lívido e plúmbeo,
E lúrido e insosso e enfuna-se ao esquálido.
Sentir a amálgama é agora tão árduo!

Tomo um gole, álgido,
Regado de amálgama,
Num brinde ao Realismo...

E um choro frio e demente
Dá a lágima ao Romantismo!

domingo, 12 de abril de 2015

Choro de Outono


Mastigo lembranças de outrora
O tempo escorre, como lágrimas de frio,
E o gosto do néctar puro do Rio,
Amargo e escuro em minha boca aflora.

Tal sabor amarronzado,
Fica em minh'alma impregnado
E enquanto rumino o passado,
Inalo o cheiro do futuro, ao lado.

O gosto desce pela garganta,
Paralelo à lagrima pelo rosto...
Ó, Mar, resgata-me do desgosto!

Ó, Céu, livra-mo, do que me espanta!
Sabor sóbrio de breu insalubre!
O coro abrasado hoje é choro frio e fúnebre.
sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Delírio


"Chama-me de Natureza, ou de Amor.
Sou tua mãe, e sou também tua inimiga."
Não me estranha tua rima com a Dor...
Tu castigas, sim, mas também abriga.

Tu reduziste eras ao voluptuoso
Destruíste seres e coisas num nada.
"Sim, fi-lo eu, e tal mo foi doloroso.
O dom de dar é o dom de retirar".

Perdão, ó Amor, por minha ingenuidade,
Decidi amar ainda sem a idade!
"Tolo tu, porém inequívoco és.

Sim, sentira-me verdadeiramente."
Assim, sê-lo-ei, Amor, eternamente.
Porém, peço, ausente-me do revés!
quinta-feira, 9 de abril de 2015

Diamante Vítreo


A vida é bela, vivo é quem o diz,
Que a vida de vida repleta se vê;
O mar imenso e belo é profundo,
Mas engolir o sal também é viver

Eu vivo vítreo
Enfrento o arbítrio
A escolha monstro
Escolhi o confronto

Pensamentos meus se esvaem no horizonte
Calados, isolam-me em uma ilha.
Nela vivo só, vivo em família
Fragmentos de luz pingam em minha fronte
E eu bebo a água do desespero
Na temível fonte da desilusão

Bebo-a em copo vítreo:
Cristalino, vejo suas profundezas;
Puro, noto inegáveis belezas;
Porém o copo ainda é vítreo-inato,
E fragmenta-se ao meu tato.
segunda-feira, 6 de abril de 2015

A Cor do Epitáfio


Ouço sons amarronzados.
O lápis pende solto em minha mão,
O ar é denso, movo-me em vão,
E ouço sons indecifrados

Titãs cantam minha verdade.
Cego, dançava a seus tons livres,
Belos e precisos sons e timbres,
Dos quais eu privei a liberdade

Descobri que o que era e o que sou diferem,
E que tais coisas ditas, assim, por mim, me ferem.
Porém, outrem dizer de nada adianta
Se o que vale hoje é o que o Titã canta

Luzes brilhavam
Sinos soavam
Cheiros e gostos
Dançavam em nossos rostos

Vejo em tons amarronzados
Por mais luz que haja na escuridão,
Dracônica é a lei da minha visão:
"Mudastes, não verás dias corados."

Cristalino é o diamante que via,
Aos loucos sons de outrora dançava,
E em belos tons de aurora me alçava,
Perplexo e em transe, eu pedia: "Brilha!"

Atendido e ofuscado pelo brilho estridente, 
Perdi os olhos, peito, força e mente,
A noção, o controle, o remo, a rima...
Mas o Rio que rege a vida vem por cima.

Noites interminavam
Dias se perpetuavam
Sons e cores, tão complicados,
Tons e flores, hoje... amarronzados
sexta-feira, 3 de abril de 2015

blue


As estrelas brilhavam vivas, 
Dormiam perto do oceano,
Rodeavam a lua, aconchegavam, 
Engoliam a tristeza. 

Então uma onda bateu meus pés
Eu senti você...
A onda voltou para o oceano, deitou
E eu estava vazio, desesperado inerte

Andava sem deixar sinal na areia
Andava com a lua,
Suas lágrimas espalhadas no mar
Acolhidas ao pouco pelas estrelas.

Mais uma onda se ergueu no oceano
Não tocou meus pés,
Então sentei, deixei a brisa me tocar
Ficaria esperando a onda

Não chegarei no horizonte
Não sei se ele existe
Mas a lua no céu é real
Nada é fácil, oceanos secam em tristeza 

Então entremos, quero sua mão
Não esquecerei de convidá-la para o mergulho
Sem questões para o céu
Volte para casa, senhorita 
Chega de desvios, mentiras,
Apenas eu, você, o oceano
Estamos fora do mundo